Disciplina - Física

Física

10/02/2014

Buracos nem tão negros assim

Por Isis Nóbile Diniz

O físico britânico Stephen Hawking se tornou uma figura tão popular que é possível que os mais jovens o reconheçam por ser o cientista que “fala pelo computador” – ele tem uma doença degenerativa que o deixou sem movimentos – e por sua participação no seriado americano The Big Bang theory. Num episódio de 2012, representando ele mesmo, uma eminência da física, Hawking fez o personagem gênio Sheldon Cooper desmaiar. Apontou um erro simples de aritmética num dos trabalhos de Sheldon, uma vergonha imensurável para o protagonista. Há duas semanas, Hawking foi notícia novamente, dessa vez por causa do assunto que o deixou famoso no meio acadêmico, em meados da década de 1970: os misteriosos buracos negros. De acordo com o modelo mais aceito, esses fenômenos ocorrem principalmente pelo colapso de grandes estrelas. Elas implodem sob sua própria gravidade, até deixar, em seu lugar, uma combinação de gravidade infinita num ponto sem dimensões – uma singularidade, em que o tempo e o espaço como os experimentamos deixam de existir. Ao adentrar certo limite de proximidade com o buraco negro, nenhuma matéria ou energia consegue escapar da gravidade infinita.

A nova proposta de Hawking, publicada em janeiro no repositório virtual de artigos chamado arXiv, causou alvoroço entre os cientistas e amantes de ficção científica. Hawking, fundador e diretor do centro de Cosmologia Teó­rica da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, sugere que os buracos negros são menos famintos e implacáveis do que os físicos supunham.

O modelo mais aceito pela física sugere que a atração gravitacional é tão intensa num buraco negro que tudo o que passa de certo limite de proximidade é engolido, de forma inescapável. Até a luz (daí o nome do fenômeno). Há um problema com essa hipótese. Ela contraria a lei segundo a qual matéria e energia não podem ser destruídas, apenas transformadas. O desaparecimento resulta em um enigma que os físicos batizaram de “paradoxo da informação”. “Se queimarmos uma enciclopédia, pode parecer que sua informação foi destruí­da”, diz George Matsas, pesquisador do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista. “Mas a física diz que é possível reconstruir toda a informação contida na enciclopédia a partir das cinzas, fumaça e demais restos da queima.” No buraco negro, não. Pela teoria, é impossível extrair qualquer informação dele. É como se a matéria ou energia sumissem lá dentro – e não apenas se transformassem.

O próprio Hawking ficou famoso, em 1974, ao sugerir que os buracos negros devolvem o que sugam. Segundo esse modelo, o buraco negro poderia “evaporar” à medida que devolvesse ao Universo a energia e a matéria captadas. A regurgitação cósmica ganhou o nome do proponente: radiação Haw­king. Ela é tão sutil, que não pode ser captada por telescópios. Em 2011, uma experiência do físico canadense William Unruh reuniu indícios de que a radiação Haw­king existe. Unruh desenvolveu em laboratório um análogo sonoro de um buraco negro, apelidado de buraco mudo. O experimento emitiu radiação térmica do modo previsto por Haw­king nos anos 1970.

Agora, o novo modelo de Hawking propõe uma explicação diferente para como energia e matéria conseguem escapar do buraco negro. Ele sugere que não existe uma fronteira bem definida entre buraco negro e o resto do cosmo, que os cientistas chamam de “horizonte de eventos”. Hawking diz que esse limite é variável, de acordo com o observador, e não é implacável, pois permite que partículas passem de volta. Ele é, segundo Hawking, um horizonte aparente. Aprisionaria apenas temporariamente energia e matéria, até liberá-las. As partículas voltam irreconhecíveis, como um texto cuja ordenação foi alterada aleatoriamente. Mas toda a informação está lá.

Os buracos negros despertam a atenção da ciência desde o século XVIII, quando o britânico John Michell e o francês Pierre-Simon Laplace sugeriram a existência de estrelas negras, invisíveis. Em 1915, a Teoria da Relatividade Geral, de Albert Einstein, também previa a existência de pontos do Universo engolidores de matéria. Foi só em 1967 que o físico teórico americano John Wheeler usou o termo “buraco negro”. Pegou, apesar de alguns acadêmicos o considerarem obsceno.

O modelo mais aceito hoje prevê que a maioria das galáxias tem um buraco negro em seu centro. Observações no European Southern Observatory (ESO) conseguiram provas indiretas da existência de um no centro da Via Láctea, a galáxia onde está a Terra. A trajetória de estrelas atraídas por uma área aparentemente vazia sugere que elas estão sujeitas à imensa atração gravitacional de um buraco negro. Estima-se que ele tenha massa equivalente a 3 milhões de vezes à do Sol. Dentro de alguns meses, os astrônomos esperam conseguir provas mais visíveis da existência do fenômeno. Em setembro, o buraco negro teórico no centro da Via Láctea, na região chamada de Sgr A*, deverá “engolir” uma nuvem de gás.

O artigo de Hawking, que reavivou a discussão sobre a natureza dos buracos negros, foi escrito com base numa palestra ministrada por ele via Skype, durante uma reunião no Instituto Kavli de Física Teórica, nos Estados Unidos, em agosto de 2013. Seu modelo não foi demonstrado matematicamente nem aprovado por outros físicos. Precisa ser discutido e avaliado. Por enquanto, é uma sugestão, que pode servir como um caminho para levar outros cientistas a soluções mais precisas – e, quem sabe, ainda mais criativas para o enigma dos buracos negros.

Esta notícia foi publicada em 08/02/2014 no site http://epoca.globo.com. Todas as informações são responsabilidade do autor.
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