Disciplina - Física

Física

05/09/2013

Não confunda física quântica com auto-ajuda

Por Carlos Orsi

Neste mês de setembro São Paulo sedia um seminário sobre “quântica e saúde”, com taxa de inscrição custando mais de mil reais e a presença de luminares como o fisico (e autor best-seller de auto-ajuda) Amit Goswami. Se o evento seguir a linha-mestra do “guru”, a ideia geral será a de que a realidade é criada pelo pensamento humano — e que as partículas mais fundamentais do Universo de alguma forma estão ligadas às intenções e emoções de cada um de nós. Assim, a forma como pensamos afeta a natureza da realidade. Isso é, com o perdão da palavra, uma enorme bobagem. Escrevi, ao lado do físico Daniel Bezerra, um livro inteiro, chamado Pura Picaretagem, para explicar como e por que isso é uma tolice descomunal.

Do ponto de vista técnico, o problema está no conceito de “observação”. É verdade que a interpretação mais aceita da física quântica diz que certas propriedades — não todas — de partículas como o fóton e o elétron só se definem quando são observadas. A questão crucial é que “observação”, nesse sentido específico, significa uma interação de qualquer partícula, e não com as que compõem o cérebro humano.
Por exemplo, se um elétron se choca com uma partícula de luz, está “observando” a partícula, e sendo observado por ela. Não há consciência envolvida no processo. E mesmo se houvesse: tudo o que a “observação” faz é especificar um dado — digamos, a posição da partícula — dentro de uma gama de possibilidades, sem poder de escolha.

É como bater numa moeda que gira, feito um pião, sobre a mesa: não dá para dizer que face ela mostrará e o ato de bater faz que um dos lados fique para cima. Mas quem bate não tem controle sobre o resultado.
Esse é o lado técnico. Já a prática deveria ser óbvia para todos. O Universo não é uma democracia. A lei da gravidade não existe por causa de um consenso do inconsciente coletivo humano: a Terra já girava em torno do Sol bilhões de anos antes dos primeiros homens olharem para cima.

Sendo o homem um animal social, é evidente que muita coisa do nosso ambiente depende de consensos, conscientes ou não, firmados entre as pessoas: o papel e os direitos das minorias na sociedade, por exemplo, ou nossa relação com outras espécies e o meio ambiente. Não há nada de “quântico” nisso, apenas o fato de que somos uma espécie dotada de cultura, que se move num meio largamente construído por nós mesmos, nossa linguagem e nossas instituições.

Mas esse meio artificial está assentado sobre um leito de realidade física e biológica sobre o qual temos controle apenas limitado, exercido por meio de ferramentas tecnológicas — não de meras intenções e pensamentos.
Esta notícia foi publicada em 03/09/2013 no site http://revistagalileu.globo.com. Todas as informações contidas são responsabilidade do autor.
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