Disciplina - Física

Física

29/08/2013

Didática inclusiva no ensino de Física

Por Noêmia Lopes

Agência FAPESP – Muitas das estratégias comunicativas utilizadas em sala de aula são, em geral, baseadas em linguagens audiovisuais. Ou seja, para ter acesso às informações, construir conhecimentos e levantar questões, os alunos precisam escutar instruções ditas pelo professor e, simultaneamente, enxergar imagens e materiais variados – característica particularmente marcante no ensino das ciências exatas.

“Tal abordagem pode limitar a aprendizagem de alunos com e sem deficiência visual. A audição e a visão permitem percepções sintéticas (que nos levam a sintetizar o que ouvimos e vemos). Por outro lado, uma abordagem multisensorial, que também considere o tato, viabiliza percepções analíticas que nos fazem construir o todo por meio da análise das partes”, disse Eder Pires de Camargo, professor do Departamento de Física e Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus Ilha Solteira (SP), à Agência FAPESP.

Camargo é autor do livro Saberes docentes para a inclusão do aluno com deficiência visual em aulas de Física, no qual demonstra que muitos conceitos da disciplina independem da visão. O livro está disponível para download gratuito no site da editora).

“Tomemos como exemplo a óptica, comumente associada à capacidade de ver para entender. Um cego de nascimento não fará construções visuais sobre as cores, não pensará no azul ou no amarelo. Mas pode construir significados sobre uma série de outros conceitos, como o comportamento da luz sob a forma de partículas ou ondas, trajetórias e refração, desde que se crie canais de comunicação para tanto”, afirmou Camargo.

Para construir esses canais bastam, muitas vezes, materiais simples e de baixo custo, como barbantes, arames, placas de isopor e massa para espaguete. No livro de Camargo, materiais assim dão forma, por exemplo, a maquetes sobre dispersão de luz, câmara escura e reflexão regular e difusa.

Contudo, para lançar mão do que o autor chama de linguagem semântico-sensorial – trabalhar o significado das palavras com percepções e sensações que vão além do som e da imagem – e, assim, incluir todos os alunos nas atividades de Física, é essencial que os professores detenham certos saberes.

Nesse sentido, entre as recomendações de Camargo aos docentes estão conhecer a história visual dos estudantes com deficiência (se nasceram cegos, se perderam a visão ao longo da vida, se têm baixa visão, se conseguem enxergar textos e imagens ampliadas), dominar a linguagem matemática e promover a interação entre estudantes com e sem deficiência usando recursos tátil-visuais.

Pesquisa em sala de aula


O livro lançado por Camargo é resultado de dois estudos: um projeto de pós-doutorado, realizado entre os anos 2005 e 2006, com apoio da FAPESP, e de um plano trienal de atividades (2006 a 2009), vinculado à Unesp. A supervisão foi do professor Roberto Nardi, do programa de pós-graduação em Educação para a Ciência, da Unesp de Bauru.

Na primeira etapa, o pesquisador propôs aos alunos da disciplina Prática de Ensino de Física, do curso Licenciatura em Física da Unesp de Bauru que, divididos em cinco grupos, preparassem minicursos temáticos de 16 horas sobre óptica, eletromagnetismo, mecânica, termologia e física moderna. Os planos de aula deveriam atender simultaneamente a alunos com e sem deficiência visual.

O passo seguinte consistiu na aplicação dos planos de aula, sob forma de curso de extensão, a uma turma de 37 alunos. Trinta e cinco deles estudavam no Colégio Técnico Industrial (CTI), instituição vinculada à Unesp de Bauru.

Dada a ausência de estudantes com deficiência visual no CTI, Pires de Camargo e sua equipe procuraram alunos na Escola Estadual Mercedes P. Bueno, no mesmo município. “Fizemos um convite e dois alunos se interessaram, um cego de nascimento e um que perdeu a visão ao longo da vida”, disse o autor.

Ao longo das 80 horas de atividades, Camargo observou que a comunicação foi um dos principais entraves: “Eu também sou cego e ali, como observador passivo, pude perceber como a linguagem usada para abordar fenômenos e conceitos físicos é fundamentada na relação audiovisual que veicula a informação”.

Todas as aulas foram gravadas e transcritas, material sobre o qual o pesquisador se debruçou para criar três categorias de análise.

A primeira, Comunicação, voltada à compreensão das informações passadas por professores e colegas e da influência da visão no entendimento de fenômenos e conceitos físicos.

A segunda, Contexto comunicacional, ligada à participação dos alunos com deficiência visual nas atividades e à caracterização do discurso que se estabelecia nesses momentos. E a terceira, Recurso instrucional, vinculada aos multimeios utilizados (lousa, cartazes, fotografias, figuras, mapas, transparências, simulação computacional, data show, rádio, DVD, TV etc.)

A partir dessas três categorias, Camargo chegou a aspectos que dificultaram e a outros que contribuíram como facilitadores dos processos de ensino e aprendizagem. Entre as dificuldades foram identificados problemas de comunicação e obstáculos relacionados a operações matemáticas, simulações computacionais, operação de softwares e experimentos.

“A tecnologia, embora bastante utilizada, ainda tem muito a avançar. Os ledores dos computadores com recurso de voz não leem equações e potenciações, por exemplo. Agora, estamos buscando adaptar essas informações à linguagem de programação e, assim, solucionar os problemas causados pelos ledores”, disse o autor.

Por outro lado, foram facilitadores o uso de materiais alternativos e a apresentação de modelos tátil-visuais (como as maquetes) e a própria comunicação, quando bem trabalhada.

Esta notícia foi publicada em 28/08/2013 no site http://agencia.fapesp.br. Todas as informações contidas são responsabilidade do autor.
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